quarta-feira, 18 de junho de 2008

Sexta-feira, 6 de Junho de 2008

Tecnologia e
Sociedade

A palavra progresso não tem
nenhum

sentido enquanto ainda existirem

crianças infelizes.

Albert Einstein

O progresso técnico
seria a resposta aos males de nossa sociedade? O presente texto
procura contribuir para o debate sobre os prováveis impactos de
inovações tecnológicas nos diferentes setores do complexo sistema
social, econômico e político que caracterizam as sociedades
contemporâneas.

Temos, por um lado, os defensores do
aumento sem restrições da P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), ou seja,
das verbas orçamentárias e particulares atribuídas aos esforços de
inovação tecnológica, sob forma de mais pesquisas, patentes,
publicações científicas e suas aplicações no processo produtivo.
Freqüentemente, pesquisadores e tecnólogos prometem mais do que
podem efetivamente entregar, para obterem mais financiamentos para
suas atividades. Assim, solapam sua credibilidade junto à sociedade
quando esta percebe os exageros nas promessas e a omissão dos riscos
e problemas inerentes no desenvolvimento de certas tecnologias de
ponta, tais como a engenharia genética, a energia nuclear e, mais
recentemente, a nanotecnologia.

Por isso, face às propostas, planos e
projetos de política científica e tecnológica, devemos sempre
indagar: Para quê? Para quem? A que custo?

Os positivistas afirmam que ciência e
tecnologia servem a toda a humanidade – vide os trabalhos de
Pasteur, Koch, Sabin e tantos outros que salvaram milhões de vidas
humanas. Afinal, o progresso técnico ajudaria a impelir o
desenvolvimento da sociedade humana, vencendo a superstição e
ignorância, ao imprimir maior racionalidade às ações humanas. Existe
um lobby poderoso que pressiona para obter mais verbas para a
pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. Sobretudo nos países
emergentes, cujas elites pregam a necessidade de se alcançar os
níveis de excelência dos países mais ricos.

Afirma-se que a inovação e,
particularmente, seus produtos tecnológicos estimulam a
competitividade e, dessa forma, contribuem para o crescimento
econômico do país. Conseqüentemente, a competitividade é erigida em
valor supremo da vida social, como se fosse uma lei da natureza
imanente à espécie humana.

Omite-se, propositadamente, que o mais
longo período da história da vida humana foi orientado pela
cooperação e a solidariedade, valores fundamentais para a
sobrevivência da espécie. Considerar a competição como norma geral
do comportamento social leva ao Darwinismo Social como filosofia
dominante e relega a preocupação com os próximos ao segundo plano.

Não existiriam outras opções de estilo
de vida que valeria a pena transmitir aos jovens e às crianças? O
que acontece com os menos competitivos, os derrotados, os que
ficaram para trás?

A ideologia da competição e
produtividade faz parte de uma visão de mundo dominada pela corrida
atrás da acumulação de capitais e do enriquecimento ilimitado, nem
sempre por meios civilizados e legítimos.

A realidade ensina que existem limites
para o aumento da produtividade quando ela está baseada no aumento
de um só fator, cujo crescimento exponencial leva o sistema a sofrer
os efeitos da “lei de rendimentos decrescentes”. Ademais, os arautos
da luta competitiva nos mercados não se preocupam com o destino dado
aos resultados de um aumento da produtividade e de lucratividade dos
negócios.

Para a sociedade, coletivamente, só
haverá vantagens na busca de maior produtividade quando seus
resultados forem distribuídos para elevar o nível de bem-estar
coletivo. Isso pode ser atingido mediante a elevação proporcional
dos salários, a redução dos preços de bens e serviços ou o aumento
de investimentos dos lucros gerados, na expansão do sistema
produtivo.Contrariando tal lógica produtivista, os excedentes do
processo produtivo na América Latina vêm sendo, historicamente,
desviados para o consumo de luxo das elites, para o entesouramento
sob forma de aquisição de terras e de moeda estrangeira ou,
modernamente, do envio para paraísos fiscais e aplicações
especulativas no mercado financeiro internacional.

Países potencialmente ricos em recursos
naturais (Argentina, Brasil, Venezuela), com uma força de trabalho
relativamente qualificada e com acesso a tecnologias modernas vêm,
há décadas, padecendo com a miséria da maioria de suas populações,
enquanto suas elites – que vivem entre o fausto e o desperdício –
recorrem aos serviços de advogados, do aparelho judiciário e de uma
legislação falha ou omissa para evadirem impostos e tributos. Ao
mesmo tempo, essas elites proclamam a ciência e a tecnologia como a
mola do desenvolvimento, exigindo mais verbas para P&D. Elas parecem
ignorar que a maior parte desses recursos acaba canalizada para
projetos militares de utilidade questionável, tais como, o
desenvolvimento de armas de destruição em massa, exploração do
espaço e o aperfeiçoamento de inúmeros artefatos para fins bélicos.

Deixemos bem claro: não se discute aqui
a necessidade de P&D nas sociedades contemporâneas, mas a condição
de que esta seja ambientalmente segura, socialmente benéfica (para
todos) e eticamente aceitável.

A quem caberia então a responsabilidade
de autorizar, orientar e estabelecer prioridades do desenvolvimento
tecnológico, inclusive na alocação das verbas sempre escassas? O
discurso oficial privilegia o papel do “mercado” – as grandes
empresas industriais e de serviços, das agências e repartições
burocráticas do governo, das universidades e de grupos
corporativistas de cientistas e tecnólogos. A sociedade civil
organizada – através de suas ONGs, associações e sindicatos – não é
considerada interlocutora qualificada para participar das decisões
sobre política de C+T ou na definição de prioridades para a alocação
de verbas orçamentárias. Ora, são exatamente esses atores sociais
que representam a maioria da sociedade que mais sofrerá os impactos
econômicos, sociais e ambientais de decisões tomadas nas esferas
executiva e legislativa dos regimes de democracia representativa,
sob as pressões de tecnocratas e de homens de negócios, supostamente
mais informadas e qualificadas para decidir sobre assuntos de
tamanha relevância.

A este respeito, vale recordar um
episódio emblemático, ocorrido há mais de um quarto de século. No
final da década dos setenta, foi realizada uma Conferência das
Nações Unidas sobre Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento na cidade
de Viena, Áustria, coordenada por um diplomata brasileiro.Os
discursos e debates da conferência não ultrapassaram o trivial, mas,
no mesmo período, houve um acontecimento inusitado que marcou época.

No auge da crise de petróleo, o governo
austríaco tinha, com a anuência do parlamento, construído um reator
nuclear a cerca de 27 quilômetros de distância da capital, maior
aglomeração urbana do país. Sua inauguração estava marcada para a
ocasião da conferência, mas meses antes, a população começou a
manifestar sua oposição à energia nuclear, apontando para os riscos
da radioatividade. Em vão, o governo e seus representantes no
parlamento e no “establishment” científico apontaram para a
“irracionalidade” da oposição que conclamava por uma consulta
popular em ampla escala sobre a conveniência da operação do reator.
O referendo realizado decidiu, com ampla maioria, contra a
utilização de energia nuclear e assumiu o prejuízo, ou desperdício,
dos mais de um bilhão de US$ empregados na construção. O reator
nunca foi ativado e, até hoje, permanece lá como um monumento às
decisões não democráticas e irresponsáveis das autoridades. Apesar
da perda do investimento, a sociedade austríaca encontrou outras
fontes energéticas e se mantém na vanguarda dos países
desenvolvidos, com altíssimo IDH - Índice de Desenvolvimento Humano.

Resumindo, ciência e tecnologia não são
ética ou politicamente neutras, cientistas e tecnólogos não podem
despir-se de suas posições sociais e de seus valores. Em cada
estágio da evolução social, as tecnologias utilizadas refletem as
contradições e os conflitos entre o poder econômico e sua tendência
à concentração de riquezas, poder e acesso à informação e as
aspirações de participação democrática, autonomia cultural e
autogestão.Por isso, a sociedade civil tem o dever e o direito de
exercer o controle sobre as inovações que não podem
ficar a critério único de cientistas, tecnocratas, políticos
tecnológicas e
empresários. Impõe-se uma avaliação prospectiva baseada no princípio
da precaução e que contemple, além dos aspectos técnicos e
financeiros, a necessidade inadiável de superar a situação de
desigualdade e o processo de deterioração do meio ambiente.







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